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A Mãe Enlouquecida, a Executiva e a Universitária

Conversando com nossas partes para liberar nossa potência


Carla é uma mulher de 45 anos, casada com um homem há 20 anos. Tem dois filhos de 15 e 11 anos e mora em um subúrbio de Montreal no Canadá, trabalhando como professora do Ensino Médio. Meu trabalho nessa sessão foi ajudá-la a conhecer e conversar com as várias partes que nela habitam, para que então ela pudesse acessar sua potência e viver de forma ativa e não apenas reagindo aos acasos com base nos seus padrões, hábitos e crenças.


As Partes - Internal Family Systems


Antes de entrarmos na sessão, gostaria de explicar que  este trabalho com as partes foi baseado no Internal Family Systems criado por Richard Schwartz. Segundo ele nascemos com várias partes que vão nos acompanhar pelo resto da vida. Eu entendo que isso foi a forma como ele sentiu e intuiu o fato de sermos múltiplos. 


Ao longo da nossa infância vamos vivendo situações que nos dão medo, tristeza, dor. Algumas das nossas partes são machucadas e vão para um exílio dentro de nós mesmos. Outras partes então tomam para si a função de não deixar que sintamos mais esta dor e portanto começam a gerenciar nossa vida para não nos colocarmos em situações similares às que causaram a dor original e para não entrarmos em contato com a própria dor. Ao fazerem isso, essas partes abandonam suas potências e usam suas habilidades apenas para nos proteger, impedindo que entremos em contato com os acontecimentos, dificultando o nosso processo de diferenciação. E assim vamos ganhando uma identidade.


Para recuperar nossa potência e nossa capacidade de viver a vida de maneira ativa, precisamos olhar para essas partes, reconhecer o caráter repetitivo e conservador das mesmas e pedir um espaço para viver a vida de uma outra maneira. Ao fazermos isso, podemos atualizar memórias doloridas e transitar as emoções e crenças no presente. Assim, recuperamos fluidez e acesso a nossa potência. Vamos à sessão.


O Encontro das Partes



Durante a sessão de hoje a Carla começou a me contar a correria da semana, incluindo compras de Natal, reuniões na Universidade e a todo tempo ela ia trazendo pensamentos por exemplo: “Será que eu dou conta das aulas?” Ou “ As aulas vão me distrair da mudança para o Brasil?”.


Então em um momento eu falei para ela que estava vendo uma mesa como se fosse o conselho administrativo de uma empresa. Havia várias pessoas parecidas com ela ao redor da mesa. Todas querendo ajudar a empresa falando sobre seus problemas ou oferecendo soluções. E ela estava numa cadeira grande porém ela era do tamanho de uma boneca d plástico.


Perguntei pra ela o que sentiu ou pensou quando falei isso. Carla fechou os olhos e os manteve fechado pela maior parte da sessão. Isso ajuda a entrar neste universo. Ela disse que se via dentro de um celeiro, mas que havia sim uma mesa no centro. Em um canto estava um veado, que na verdade era uma janela para a natureza, para o universo.


Na mesa ela viu uma mulher como ela, mas toda descabelada e esbaforida. Ela a chamou de “mãe enlouquecida”. 


Marcelo: Diga pra essa mulher que ela dá conta de muitas coisas. 

Carla: Falei e ela reconheceu.

Marcelo: O que você está sentindo com relação à “Mãe Enlouquecida”

Carla: Estou com um pouco de ranço dela. 

Marcelo: Fica só observando

Carla: Essa mulher tem um papel importante na comunidade onde ela mora.

Marcelo: Você consegue agradecê-la por tudo que fez e faz?

Carla: Sim. 


Então Carla ouviu um pensamento dizendo: “Coitada”. Eu pedi para ela seguir aquela voz. Ela virou a cabeça ainda de olhos fechados. Perguntei quem era. E ela disse, sou eu “Executiva”. 


Marcelo: Como é sua aparência? 

Carla: Blusa de seda, toda arrumada, salto alto. Eu pareço uma pedra semi-preciosa. 

Marcelo: Se aproxime dela e diga quem você é, faz um resumo da sua vida em 5 segundos. Como ela reage? 

Carla: Ela fica impressionada.


Neste momento Carla começou a chorar. 


Marcelo: O que você está sentindo? 

Carla: Saudades. Eu tenho saudades dela. 

Marcelo: Sinta essa saudades no seu corpo e diga pra ela. “Eu tenho saudades de você”. 


Carla balançava a cabeça afirmativamente, chorando. 


Marcelo: Agora agradece por tudo o que ela fez por você. O que acontece?


Este agradecimento nada mais é do que um reconhecimento de que o que aconteceu foi o necessário, nada menos e nada mais do que o necessário.


Carla: Ela fica mais calorosa, ela desmonta um pouco de uma atitude mais rígida.


Carla: Agora eu vejo eu jovem com 20 anos, uma “Universitária”. 

Marcelo: Vamos conversar com ela. Faça um resumo da sua vida.

Carla: A “Universitária” ficou muito surpresa. 


Quanto mais novas são nossas partes, mais surpresas elas ficam com nossa vida. 


Marcelo: Pergunta pra ela se ela tem algo a te dizer ou a te perguntar? 

Carla: A “Universitária” disse “Você sabe quem você é?”. 


Carla chorou mais um pouco. 


Marcelo: Não precisa responder essa pergunta. Apenas agradeça e fique com essa pergunta. Aceite que é essa pergunta que você recebeu neste momento.


Eu peço para ela dar mais uma olhada ao redor e saber que aquele lugar é um lugar para o qual ela pode voltar sempre que quiser para conversar com as partes dela. Ela olha e diz que pode sair, abre os olhos e dá uma risada. 


Carla: Você não acredita, mas me veio um pensamento assim: “Isso é tudo loucura, dá onde veio isso, de que teoria, será que você esta ficando esquizofrênica?”


Integrando com o Dia a Dia



Marcelo: O que você faria se nós já tivéssemos terminado a sessão? 

Carla: Eu teria pensado “para de pensar nisso, vai cuidar das crianças” ou “nossa, vou conversar com alguma amiga terapeuta pra saber da onde vem isso”.

Marcelo: Ótimo, mas tendo feito o que fizemos antes no celeiro, o que você pode fazer agora.

Carla: Ah, eu posso olhar para esse pensamento como se fosse uma parte minha! 

Marcelo: Isso!  Essa é uma parte sua que quer te proteger de sentir alguma dor que você experimentou no passado. Então tudo para ela é um perigo. Quando trabalhamos com ela e a liberamos de ficar nos protegendo ela pode voltar a nos ajudar, por exemplo com nossa prudência.  Por exemplo, ela pode cuidar pra você não entrar em um culto ou pra você  dosar seus processos emocionais. Ela quer o seu bem. Mas quando ela está no volume máximo, assim como as outras, elas já chegam gritando: “Cuidado! Você vai surtar!”


Carla começou a dar muita risada e disse: “É assim mesmo que meus pensamentos chegam!” Agora já estou vendo uma outra parte que é a Filósofa. Ela se jogou em cima da mesa e está gritando: “Qual o sentido da vida? Por que estamos aqui?” Mas diferente do começo da sessão, Carla está dando risada do exagero. Ou seja, neste momento, ela está conseguindo fazer a ESPREITA de seus próprios processo, das forças que a atravessam. 


Resumindo



Ao longo da nossa vida fomos ouvindo e acreditando que somos esses pensamentos. E esses pensamentos estão carregados de valores morais, de expectativas, de medos. Acreditamos que SOMOS UM sujeito e que este sujeito TEM esses pensamentos. Quando na verdade, não há um sujeito. Somos uma multiplicidade que é atravessada por forças. 


Enquanto nos confundimos com nossos pensamentos, que não passam de imaginações, não temos corpo suficiente para encontrar essas forças de maneira ativa e acabamos sendo determinados de fora a sentir esta ou aquela paixão. E então avaliamos o mundo a partir de uma sensação de alegria ou de tristeza que aparecem ao acaso.


O processo de observar e conversar com nossas partes ajuda a dissolver as camadas de significados que estão coladas em nós. São essas camadas que vão formando uma identidade rígida, diminuindo nossa capacidade de responder de modo ativo e criativo à vida. 


Quando fazemos esse tipo de processo, liberamos forças ativas que querem se atualizar e se intensificar sem partir de uma sensação de falta e sem ir em direção a um ideal de salvação. E assim recuperamos nossa potência.


(Para marcar uma conversa comigo e decidirmos juntos se este tipo de prática clínica pode te ajudar, escreva para marcelo@marcelomichelsohn.com)




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