É possível usar todos os acontecimentos para deslocarmos emoções estagnadas e recuperarmos o fluxo de vida.
Um analisanda me contou que estava no clube com os filhos e o mais novo, de onze anos, estava jogando basquete. Ela conseguia ver a quadra de longe mas não via detalhes do jogo. Percebeu uma movimentação diferente e começou a andar na direção do filho quando viu um senhor mais velho segurando no braço do menino e falando algumas coisas. Quando ela chegou o senhor se afastou. O filho começou a chorar e disse que o homem apertou seu braço com força. Ela, se segurando para não explodir, foi falar com o homem.
O senhor pode me explicar o que aconteceu?
Seu filho estava desrespeitando as regras do jogo. Primeiro ele mudou de time à revelia das outras crianças, depois segurou o braço de um menino enquanto ele tentava arremessar, ele não para quieto.
Eu entendo, mas da próxima vez, o senhor vem falar comigo e não com ele.
Após ler a história acima, para onde sua mente foi? Repare nos seus hábitos. Você ficou com raiva do velho? Ou você pensou: “fez bem, as crianças hoje não tem limites! Ou talvez você tenha julgado a mãe: “deveria estar mais atenta, né?”.
Não importa qual foi seu pensamento, o hábito é o mesmo: julgar, acreditar que existe um “certo” e um “errado” e se posicionar de acordo com suas crenças e emoções estagnadas.
Na minha prática clínica não estou interessado nessa moralidade. Na verdade, estou interessado em destruir essa moralidade.
Como Usar o Outro Para Liberar as Emoções:
Durante a sessão, pedi para que ela fechasse os olhos e trouxesse a cena novamente para sua consciência. Que ela visse o homem segurando o braço do seu filho. Sua expressão facial mudou e ela foi tomada por uma emoção. Ela disse estar incomodada. Então, pedi que ela julgasse o homem. Complete a frase: “Ele é um…..”. Ela respondeu: “inadequado”.
Então pedi para ela apagar a cena e dizer em voz alta “Eu sou inadequada”. Ela disse com um aperto no peito. “Sim, eu me sinto inadequada o tempo inteiro….”. Eu a interrompi. Expliquei que reconhecer a inadequação é bom, mas que agora ela deveria interromper o hábito de se auto-criticar. Pedi para ela repetir a palavra “inadequada” em voz alta, brincando com a palavra, até ela perder o sentido.
Ela repetiu a palavra em tons, velocidades e volumes diferentes até que deu um sorriso. Quando fazemos este exercício, a palavra às vezes fica engraçada, sem sentido. Então pedi que ela trouxesse a cena mais uma vez. Vieram lágrimas e ela disse: “Que dó. Eu sinto dó desse homem.”. Eu pedi que ela o julgasse novamente e ela disse: “Coitado. Ele é um coitado”. Repetimos o exercício de fazer a palavra perder o sentido.
Traga a situação mais uma vez. O que você sente agora? Como julga ele?
Ele está fazendo o que pode. Ele quer o melhor para o neto dele e as crianças que estão brincando.
E o que você sente no seu corpo?
Parece que agora eu comecei a sentir meu corpo desde que cheguei aqui. Sinto uma espécie de vibração.
Entendendo o Dispositivo do Espelho:
Normalmente, por hábito, ficamos remoendo, ou ressentindo a história em nossa cabeça, pensando o que deveríamos ter feito, fazendo promessas sobre o que faremos no futuro, nos colocando como vítimas (“Eu não sou uma boa mãe. Deveria estar mais perto dele.”) ou como algozes (“Velho desgraçado. Deve ser um facista!”). E assim vamos empobrecendo nossas vidas. Nossa potência se reduz e temos cada vez menos capacidade de criar realidades. Ficamos repetindo.
Porém, durante o processo clínico, usamos a outra pessoa como um espelho que nos mostra quais emoções e crenças estamos prontos para liberar. Julgamos o outro apenas como um artifício para identificarmos em nós o que está estagnado. E então, ao brincar com a palavra e desconstruir seu sentido, criamos um espaço para que as emoções comecem a se deslocar.
Sem raciocinar, sem dar um sermão no filho ou no velho, algo se modificou nela. As emoções, as sensações e os pensamentos sobre a situação foram se modificando. Ser adulto implica na capacidade de interromper a reação, fazer essa transmutação das emoções e crenças e só então agir de forma liberada. Como não aprendemos a ser adultos, precisamos deste apoio clínico para refazer a situação a posteriori, dentro da sessão.
Na medida que praticamos esse novo modo de viver, ganhamos mais velocidade e começamos a transmutar enquanto a situação acontece e assim possibilitar a relação com o acontecimento sem a mediação do nosso Ego cheio de certo e errado, bem e mal, vítima e algoz. Ao nos relacionarmos diretamente com o acontecimento temos a possibilidade de nos compor com as forças que nos atravessam e então aumentamos nossa potência, criando realidades impensadas.
Ao liberarmos as nossas emoções, podemos pensar e agir de verdade, no momento. E essa ação não visa destruir o outro. Quem tem potência não quer ter poder. Só o impotente quer poder.
(Aviso importante: Os textos publicados neste blog não são recomendações médicas ou psicológicas. Procure alguém da sua confiança caso sinta necessidade. Se quiser marcar sessões comigo, escreva para marcelo@marcelomichelsohn.com)
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