- mmichelsohn
O Leopardo na Sala

(Escrevi esse texto há 3 anos. Fala sobre como guiei minha filha através de um "sonho acordado". Não é necessário interpretar sonhos e tentar descobrir seus significados. Sonhos, imaginações, memórias são materiais que podemos usar em nossos processos criativos. Podemos usar para criar nossas vidas.)
Minha filha tem onze anos e meio. Ela é a mais velha. Sua transformação de criança para adolescente me assombra. Somos parecidos. Ela me faz ter reações automáticas que vem da minha própria adolescência. Fico bravo. Não grito, mas meu olhar e minhas palavras podem machucar. Depois percebo e não gosto de quem eu fui. Então me perdôo.
Hoje é domingo. Acordei bem. Ela dormiu até mais tarde. Entrei em seu quarto e notei que ela já estava acordando. Falei baixinho. Ela se virou sonolenta. Eu olhei para seu rosto e vi ao mesmo tempo a adolescente, a criança e a bebê que ela um dia foi. E meu coração se encheu de alegria. Escolhi não interpretar e não falar. Fiquei olhando para cada detalhe do seu rosto, emanando amor pelos meus olhos.
Ela falou: “Nunca mais vou usar galochas!”. “Eu tive um sonho chato”. “Me conta”, eu disse. E então eu deitei ao lado dela e fechei os olhos. Me deixei levar por suas aventuras. Era como se alguém estivesse lendo um livro para mim e eu conseguia ver as imagens.
Na parte final do sonho, um amigo dela entra em uma sala e vê leopardos. Ela disse: “Pai, é estranho pois eu senti muito medo dos leopardos no sonho, mas na vida real eu não tenho medo de leopardos. Bom, só me lembro do sonho até aí.”

Então perguntei se ela toparia voltar para o sonho agora e ela disse que sim. Pedi para que fechasse os olhos e voltasse até a sala da casa do sonho onde havia um cachorro sábio. Quando ela estava lá, pedi que ela entrasse na sala dos leopardos. Ela me disse que não havia nada, a não ser uma escadaria como se fosse um estádio de esportes. Pedi para ela subir. Quando chegou lá em cima, ela viu uma porta de vidro, sem fechadura. Do outro lado da porta estava escuro. Pedi para ela colocar as duas mãos na porta e me dissesse o que estava sentindo. A porta estava fria e tinha uma textura de vidro.
“Pergunte para a porta, como se faz para abri-la”, eu disse. Ela me falou que a porta respondeu “Enfrente a sala”.
“Vire-se e olhe para a sala”.
“Os leopardos estão lá em baixo”.
“Você quer descer?””
“Sim”
“O que você vê?””
“Só tem um leopardo. Eu toco nele. Ele vira um gatinho preto. Ele desaparece. Eu saio da sala e conto para o cachorro sábio que a sala é um lugar onde podemos enfrentar nossos medos. Quando enfrentamos os medos e não ficamos apenas pensando neles, às vezes eles desaparecem. Vou chamar os meus amigos e dizer para eles também entrarem na sala.”
Noto que o mundo dos sonhos está desvanecendo e que a realidade quer se impor. Falo para ela perguntar ao cachorro sábio, se ela pode encontrá-lo novamente.
“Ele disse que sim, se eu tiver coragem. Aí eu perguntei se poderia ser em outro lugar e ele disse que talvez.”
Sonhos, imaginação, arte. Aprender a deixar o universo fluir através de nós.