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Tenho sido atravessado por músicas ultimamente e percebido mais claramente quando suas letras expressam paixões tristes, paixões alegres e ação, que são sempre alegres. Falo de paixão aqui do ponto de vista de Spinoza, qual seja, uma variação de nossa potência de existir a partir de forças externas. Se alguém sorri pra mim eu fico alegre, mas se alguém fecha a cara eu fico triste. Eu dependo o tempo inteiro do acaso, pois não tenho força suficiente para me reconhecer como causa de tudo que me acontece, pois eu sempre estou em composição com o fora. Tristeza aqui se refere à diminuição da capacidade de sentir, pensar, agir, desejar. E alegria, o aumento da capacidade de sentir, pensar, agir, desejar. A ação, para Spinoza, é sempre alegre, pois nela reconhecemos uma razão de composição com outros corpos e nossa participação ativa no acontecimento.
Nesse texto, me deixei inspirar pela música "In The End" do Linkin Park. Ao longo do texto vou apresentar partes da letra com uma tradução livre, mas você pode ouvir a música e checar a letra original no link acima. Sugiro inclusive ouvir a música antes de ler.
"O Tempo é algo valioso. Veja-o passando enquanto o pêndulo balança. Veja a contagem regressiva até o final do dia. O tictac do relógio vai desfazendo a vida."
Pode parecer óbvio, mas ele começa pontuando a importância do Tempo. Não somos infinitos. Nossa vida, nesse modo de existência, vai acabar e nenhuma quantidade de dinheiro ou poder vai alterar esse fato. Você pode até pensar que sendo rico, você pode viver mais anos, mas não se trata de medir o valor da vida de maneira quantitativa. Não somos infinitos, mas podemos encontrar a eternidade nos acontecimentos. Sim, precisamos trabalhar e ganhar dinheiro e sim, todas as pessoas deveriam ter o mínimo para uma existência digna, porém o que nos vendem como o necessário para isso é uma ilusão. É possível viver com muito menos e assim dispor do nosso próprio tempo.
"Eu desperdicei todo ele (o tempo) só pra ver você ir embora"
Aqui ele apresenta o ressentimento que nos toma quando acreditamos que alguém era a razão da nossa felicidade e esse alguém vai embora. Para Spinoza, Amor é a alegria, ou seja o aumento da potência, vinculada a uma causa exterior. É da natureza humana acreditar que o outro me faz bem. Quanto mais eu sinto isso, mais eu acredito que a minha alegria é causada por esse outro. Eu estou na imaginação, mesmo que me cause uma paixão alegre. Mas o outro não é algo fixo e eu não sou algo fixo e o contexto não é algo fixo. Tudo está em constante diferenciação e portanto é óbvio que em algum momento esse outro não vai me fazer bem, como fazia antes. Quando sou afetado por algo desagradável que o outro fez, vou me entristecer. Quanto mais eu amar aquele outro, mais eu vou me entristecer, pois além dele não estar me oferecendo aquele quantum de alegria, agora ele está me entristecendo. Pense em alguma coisa que um estranho te falou e compare isso quando alguém muito íntimo fala a mesma coisa. Dói mais quando vem de alguém íntimo.
"Eu me esforcei demais, e cheguei tão longe. E no final, isso não importa. Eu tive que cair para perder tudo. E no final, isso não importa"
Esse é o famoso refrão. Ficamos tentando lutar desesperadamente por manter uma situação que está nos rebaixando, nos escravizando. Porque fazemos isso? Por que ao longo da vida, desde a infância vamos sendo rebaixados, esburacados, inoculados com uma sensação de falta, de escassez, de insuficiência. Quando estamos neste buraco, o mesmo sistema que nos jogou nele, nos apresenta salvações através de finalidades ideais (desde ser um alto executivo, até ser um guru super espiritualizado) e objetos para preencher as faltas (um carro, uma viagem pra India, não importa em que lado do espectro Banqueiro-Hippie você está)
A queda é o momento em que sentimos que quanto mais lutamos pelo ideal, mais o nosso buraco cresce. É como se você quisesse sair de uma areia movediça coletando objetos que são jogados pra você e colocando-os na mochila. Quanto mais peso, mais você afunda e mais o buraco aumenta.
A desilusão, que pode levar a uma depressão, é uma espécie de reação que, apesar de difícil, guarda dentro dela uma saúde. É uma desistência desse ficar "tentando demais". É claro que, no limite, essa vontade de nada vira nada de vontade e não é isso que queremos. Agora, dizer não para o que nos adoece, é sim um movimento saudável, mesmo que feito de maneira torta.
Todo o aparato social vai olhar para o depressivo, o melancólico ou o mero desiludido e vai tentar reconecta-lo à máquina que o adoeceu. As psicologias, psicanálises e psiquiatrias tradicionais, além das terapias alternativas, religiões, coaches, vão colocar todo o seu ferramental para trabalhar em readaptar essa pessoa, em torná-la novamente uma peça eficiente, competente e moral a serviço do capital.
"Eu não sei porque não importa o quanto você tente. Mantenha isso em mente. Eu desenhei essas rimas para me relembrar o quanto eu tentei."
Eu adoro essa parte da letra pois ele nos diz que criou essa letra para se lembrar do quanto ele tentou e que nada adiantou. Aqui, ele fez um bom uso de um mau encontro. Ele encontrou a razão de composição com esse acontecimento. Ele percebeu como essa situação foi criada por ele também, na conexão com um outro e extraiu disso um pensamento: não adianta ficar tentando se agarrar no outro para ele te fazer feliz. Esse processo de extrair uma pérola de uma situação ruim, demonstra uma ação. Aqui ele está sendo ativo. Ele usou a situação, não só para se lembrar disso, mas criou uma música de muito sucesso. Em 2001, o disco de estréia do Linkin Park vendeu quase 5 milhões de cópias só nos EUA, virando o disco mais vendido do ano.
Vamos para a segunda parte da música, na qual ele vai falar mais sobre o relacionamento.
"Apesar da maneira como você zoava comigo, me tratando como se eu fosse sua propriedade. Relembrando todos os momentos que você brigou comigo, fico surpreso que tenha durado tanto. As coisas já não são mais como antes. Você nem iria me reconhecer agora. Não que você me conhecesse lá atrás. Tudo tem a ver comigo no final das contas."
Acho muito interessante que ele em nenhum momento xinga a pessoa que estava com ele nessa relação despotencializadora. Sinto que não há ressentimento. Provavelmente houve muito ressentimento, sensação de que ele era uma vítima e inclusive momentos em que ele se questionava se o problema não era com ele. Mas aqui, na letra da música, ele já saiu desse lugar. A última frase dessa estrofe acima é muito significativa. Ele reconhece a participação, a cumplicidade dele, nessa relação que estava fazendo mal.
Acho importante pontuar aqui, que é muito mais difícil sair de uma situação despotencializadora, quando ela não chega em uma crise como essa da música. Isso não quer dizer que não estamos no buraco e tentando nos pendurar em saídas fictícias. Ou vamos ficar nos distraindo e anestesiando para não sentir o buraco e manter a situação como está, ou vamos ter que piorar muito e cavar muito o buraco para que então venha uma força para desinvestir dessa vida que nos rebaixa.
Dá pra fazer diferente. Não é preciso esperar uma crise, uma doença, uma briga feia, etc. É possível olhar para nossas cumplicidades e devagar, com prudência, começar a abrir mão daquilo que nos aprisiona. Não estou dizendo que é preciso se separar ou largar o emprego, mas sim, mudar a maneira como nos relacionamos, a maneira como nos conectamos com essas coisas. Ficar ou não num casamento deve ser uma consequência desse trabalho e não uma estratégia para se sentir melhor.
"Eu confiei em você. Fiz o possível até onde consegui. Mas só tem uma coisa que você deveria saber. Eu me esforcei demais, e cheguei tão longe. E no final, isso não importa."
Aqui no final da música ele diz que depositou confiança na outra pessoa e fez tudo o que pode. Essa confiança, antes de mais nada, é a confiança de que o outro continuará nos fazendo felizes pra sempre e ficamos fazendo tudo o que podemos para que isso não mude, quando a mudança é a única coisa que existe.
Existe um risco muito grande do autor da letra ter caído em outros tipos de relacionamento despotencializadores. Nada garante que ele aprendeu a ser um tipo ativo. Pode ser que ele continue buscando salvação em outros relacionamentos menos tóxicos. Se isso for verdade, o buraco continuará a crescer.
Esse trabalho sobre si deve ser constante e requer uma sutileza para não saírmos de uma armadilha e cairmos na outra, já que os objetos brilhantes e as ofertas de salvação estão o tempo inteiro a nossa volta.
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