É possível recriar memórias no presente para então liberar forças que estavam presas e assim criar um futuro mais potente.
Nossas memórias não são cópias exatas dos eventos passados. Mesmo os sentimentos que associamos a essas lembranças podem não corresponder exatamente ao que sentíamos no momento original.
Um homem de 36 anos acessou uma memória muito difícil durante uma sessão de terapia comigo.. Ele se lembrou de ver o pai roubando produtos no supermercado. O pai colocava alguns produtos no carrinho e outros em uma mochila.
Foi bastante desafiador para ele compartilhar essa memória comigo, carregada de vergonha. O pai tinha dinheiro suficiente para comprar tudo. Ele não roubava por necessidade. Os dois, pai e filho, estavam tendo dificuldades em se relacionar nos últimos anos. Essa memória veio quando ele estava me contando que em breve ia na festa junina do bairro do pai e o pai não queria levar um prato de doce ou salgado conforme combinado, pois já estava pagando R$40 pela festa. Ele ficou com raiva do pai por ser mesquinho.
Na minha terapia trabalho com essas memórias como sendo criações atualizadas no presente. Não quer dizer que a cena não tenha acontecido. Muito provavelmente aconteceu, mas aquela criança de 8 anos olhando para o pai, não estava julgando, analisando, raciocinando sobre o que estava acontecendo. A vergonha, por exemplo, era uma sensação do adulto que estava na minha frente.
Neste momento, não tenho interesse em gastar várias sessões interpretando o que isso significou na relação pai e filho, ou tentando ajudar o filho a entender o porque o pai fazia isso. Todas essas manobras são formas de manter a razão no controle como se o entendimento fosse suficiente para transformar a vida daquela pessoa na minha frente.
Eu vou por um outro caminho.
Pedi para ele fechar os olhos e trazer a cena à mente. Então, pedi para ele congelar a cena e tirar todo mundo do supermercado, menos o menino de 8 anos que era ele mesmo. Então sugeri que ele de 36 anos entrasse na cena. Ao entrar pedi para ele deixar o menino vê-lo e então dizer para o menino que você era ele com 36 anos.
O menino ficou surpreso. Pedi para o homem contar para o menino que ele era casado, tinha três filhos lindos, morava num apartamento muito gostoso e tinha um ótimo trabalho. O menino ficou muito feliz.
Então sugeri que o homem perguntasse o que o menino precisava. O menino disse que queria um abraço. O homem o abraçou e o menino chorou. Ele estava com medo.
Solicitei que o homem dissesse: "Eu sinto muito que você passou por isso. Sinto muito que não havia um adulto para te ajudar. Sinto muito que eu não estava lá".
Então, disse para o homem falar para o menino que a partir daquele momento, ele estaria sempre disponível. Bastava o menino chamá-lo. Que nunca ia deixar o menino sozinho.
Pedi para o homem perguntar ao menino se ele poderia ir embora da cena. O menino pediu para ele ficar mais um pouco. Ele ficou e o menino disse que ele poderia ir embora.
Instrui o homem a reintroduzir todo mundo na cena, inclusive o pai, mas agora ele deveria deixar a cena se desenrolar como se estivesse vendo-criando um filme.
Ele fez isso e então começou a rir. Disse que a mochila se transformou em sacolas recicláveis e que o pai dizia que ele usava aquelas sacolas para preservar o meio-ambiente. A cena acabou e ele abriu os olhos.
Pedi para ele pensar no pai dizendo que não ia levar os pratos de salgado ou doce na festa e me dizer o que estava sentindo.
Ele disse que não estava mais sentindo raiva por conta da questão da festa junina Ele até achava engraçado e entendia por que um senhor de 70 anos não queria se preocupar em levar comida para uma festa pela qual já estava pagando.
A prática de reconstruir memórias não visa apagá-las como no filme "Brilho Eterno de Uma mente Sem Lembranças". Se trata de criar memórias no presente. O inconsciente não é um repositório. É uma fábrica em constante criação.
Se essa fábrica está fechada, usando as mesmas velhas memórias, para fixar crenças e emoções, ficamos atolados.
Ao criarmos novas memórias, permitimos a liberação de crenças e emoções estagnadas, permitindo que o ser se conecte com forças atualizadas e possa aumentar sua potência de vida e consequentemente suas relações. Sem que seja preciso entender, culpar ou desculpar, fazer acordos, jurar que vai mudar ou pedir o juramento do outro.
Ao invés de ficar analisando um inconsciente atolado e comodamente correr atrás de entendimento, permita-se criar sua realidade passada, agora, no presente e assim liberar suas ações, pensamentos e sensações para o acontecimento.
(Aviso importante: Os textos publicados neste blog não são recomendações médicas ou psicológicas. Procure alguém da sua confiança caso sinta necessidade. Se quiser marcar sessões comigo, escreva para marcelo@marcelomichelsohn.com)
Commentaires