A imaginação é uma capacidade sensacional, porém é usada de maneira muito equivocada. As pessoas imaginam que o próximo emprego será melhor, que a vida dos outros é mais divertida, imaginam que, se tivessem estudado outra coisa, sua situação financeira seria diferente, e que fulano pensa isso ou aquilo. Ou seja, usam a imaginação para analisar e projetar, duas coisas para as quais a imaginação não serve. A imaginação serve para criar!
Sendo assim, quando as pessoas que fazem análise comigo começam a imaginar de maneira inadequada, eu uso uma estratégia para colocar a imaginação no lugar certo. No exemplo abaixo, um jovem de 17 anos estava falando que não conseguia se livrar de um padrão.
Ao invés de eu deixá-lo falando meia hora sobre os motivos de não abandonar o padrão, eu pedi para ele inventar uma história, que ficou assim:
Eu: Imagina um castelo que foi dominado pelo General Egon. Ele trancou o Rei Devires na torre mais alta que só tinha uma janelinha O general não gostava de lidar com pessoas que geravam raiva, medo ou dor nele então ele as trancava no calabouço. Por onde começamos?
M: Vamos salvar as pessoas do calabouço.
Eu: Como vamos salvá-los?
M: Tem um grupo da resistência que vai resgatá-los
Eu: Mas há guardas do lado de fora do muro. O que podemos fazer para afastar esses guardas?
M: Podemos oferecer cavalos e terras.
Eu: OK. Eles aceitaram. E agora?
M: Agora a resistência vai cavar um túnel.
Eu: Ótimo, mas todas as vezes que eles estão quase chegando, faltando uma martelada para abrir o calabouço, eles sentem muito medo de que o túnel vai desmoronar, e voltam pra trás;
M: Então, uma das pessoas deste grupo se deixa prender e começa a guiar a resistência de dentro do calabouço.
Eu: Ótimo. Eles chegaram. Mas os prisioneiros que estavam lá por anos, ficaram loucos quando viram o túnel. O que acontece agora?
M: Alguns deles estão há tantos anos lá, que até perderam a vontade de fugir. Como os prisioneiros no barco do Capitão Lula no Piratas do Caribe que já estão grudados no casco do navio. E os outros saem correndo.
Eu: Quando eles saem correndo e gritando, eles acabam passando por cima de quem veio salvá-los. E além disso eles gritam, xingam muito.
M: E quando eles saem, estão perdidos. Não sabem para onde ir.
Eu: Alguns fogem para a floresta e outros são recapturados. O que o General sente ao ver isso.
M: Ele fica furioso e manda todos os guardas ao ataque.
Eu: E o Rei que está vendo tudo pela janela da torre.
M: Ele fica feliz.
Eu: O Rei tem o poder de se comunicar telepaticamente com algumas pessoas da resistência.
M: Ele manda uma mensagem para eles mostrando o caminho da fuga.
Eu: E o caminho leva às terras dos soldados que antes cuidavam do calabouço. Como eles estão?
M: Eles estão muito bem e decidem ajudar os refugiados.
Eu: Mesmo tendo muito mais trabalho para viver e ganhando muito menos, os soldados preferem aquela vida ao trabalho de cuidar do calabouço?
M: Sim. E todos criam uma comunidade auto-sustentável.
Eu: Mas ainda assim, tem algo incomodando eles. O fato do Rei estar preso cria uma tristeza persistente.
M: Então eles preparam um ataque ao castelo.
Eu: O Rei manda uma mensagem dizendo que ele não quer vingança, de que ele gosta do general, apesar dele ter se desviado de suas funções.
M: As pessoas libertam o Rei e convencem todos na guarda a irem para a Rua desfilar.
Eu: Agora acontece um flashback que mostra que o General, na medida em que consolidava poder, ia recebendo placas de chumbo em seu corpo que doem muito. Agora voltando para o tempo presente vemos que ele está sozinho no castelo.
M: O Rei o convida para a rua, para que ele participe do desfile e veja que outras pessoas também têm problemas e que ninguém está lá para se vingar dele.
Neste momento, interrompi a história e perguntei como ele se sentia. Ele me disse sorrindo que estava bem e que não estava pensando em nada. Esse estado de vazio acontece quando interrompemos nossos hábitos e padrões. É o vazio cheio de possibilidades.
Perguntei como foi criar a história. Ele disse que achou que fizemos uma metáfora muito louca. Expliquei que o mais importante daquela invenção não é tanto a criação de metáforas para entendermos o que se passa conosco, mas sim, o próprio ato de criação. O ato de trazer para a existência uma história, com imagens, enredo, personagens que não existiam faz variar nossa potência e sentimos entusiasmo e alegria.
Além disso, ao usarmos a imaginação para criar, pararmos de imaginar o que vai acontecer no futuro ou o que alguém pensa de nós ou ainda o que deveríamos ter feito de diferente no passado. Ao interromper esse padrão de pensamento equivocado e colocar a imaginação em sua potência de criação, acessamos nossa potência de vida.
(Se precisar de apoio para lidar com essas ou outras questões, escreva para marcelo@marcelomichelsohn.com)
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